quinta-feira, 21 de julho de 2011

Artigo: A Divina Comédia. Por Antonella Zara.


 
Desde a infância, eu sempre pensei que morreria jovem. Não sei ainda se é um medo daquilo que pode vir a se realizar ou um sonho que no fundo estou ajudando a tecer, ou quem sabe seja ambas as coisas. Viver não é uma experiência fácil, principalmente para aquelas pessoas que absorvem o mundo em si, o estão digerindo constantemente e sentem a urgência inevitável de devolvê-lo em forma de palavras, sons, cores... São os artistas, aqueles que muitas vezes morrem emocionalmente ou fisicamente despedaçados e as pessoas se perguntam por quê. Mas fato é que começamos a morrer no momento em que nascemos e viver é, em última instância, fatal. O artista sabe, sente e vive isso. Cada parágrafo, composição ou quadro é um parto e é uma morte. Ao perceber isso, ele descobre que ambos são inseparáveis. Cada momento que nasce é outro instante morrendo. Apenas quando compreendemos isso a vida pode desabrochar plenamente. A partir desta compreensão, não faz a mínima diferença se vivemos um dia ou cem anos, mas sim como experimentamos e sentimos ao máximo este mistério que somos nós. A existência é curta e longa, triste e feliz, feia e bela, é vida e é morte. Os opostos são gêmeos univitelinos em uma interminável história de amor.

Falando em histórias, por dois meses decidi fazer a experiência de ser uma atriz. Busco em mim mesma as emoções que a figura dramática me pede, tento achar suas idiossincrasias nos movimentos de minha alma. Meu personagem, Yvonne e eu somos muito diferentes, mas somos humanas e mulheres. Eu a reconheço em meus sentimentos conturbados, na minha histeria silenciosa. E ela não é a única personalidade que escuto em mim. Entre as muitas vozes que consigo discernir em minha mente, observo aquela que me maltrata, julga e subjuga aos seus caprichos. Ela é tirana e impiedosa. Mas há também aquela que ama enlouquecida, indiscriminada e incondicionalmente, ela me apoia e fortalece, me levanta quando eu caio, me faz ver a sua perspectiva, sempre mais ampla e mais vasta que a minha tragédia pessoal, qualquer que seja ela. Ela é o meu refúgio. Mergulho neste mar obscuro, nas inúmeras vozes dentro de mim e nunca sei dizer ao certo quem sou eu. Se olharmos bem, profunda e intensamente, somos fragmentos de pessoas, lugares, ideias, valores, culturas, e a essência muitas vezes permanece encoberta até eventualmente descobrirmos que não somos nada daquilo ou talvez muito mais do que pensávamos ser.

No teatro ou no cinema os atores representam para despertar no coração da plateia um reconhecimento, para que nós nos identifiquemos com a ilusão e vibremos com ela. Para isso, durante aquelas duas horas nós nos afastamos de nossa própria história, ou da obsessão de que ela é real e absoluta e mergulhamos na realidade fictícia, imaginada um dia por um escritor. Levantamos voo mental e cessamos de existir. Ao voltarmos da viagem, temos em nós impressões, sentimentos, reflexões, a pena ou a alegria de que a peça ou o filme acabou.

Às vezes, sem querer, trazemos conosco fantasmas daquele mundo ilusório. Começamos a nos perguntar se agiríamos daquela mesma maneira que o heroi ou a heroína, ou então nos surpreendemos tentando descobrir quem realmente somos nós no filme de nossas vidas. Será que somos o personagem principal, ou talvez subitamente percebemos que sempre tivemos aquele sutil gosto amargo de não sermos nada além de meros coadjuvantes? Será que somos quem gostaríamos de ser, ou nos contentamos em sempre desejar ser alguém diferente, mais rico, mais famoso, mais forte, mais belo, mais saudável, mais apaixonado? Quão grande é o abismo entre aquilo que sonhamos e aquilo que efetivamente somos? E, caso ele seja imenso, por onde começamos a construir a ponte que nos leva ali onde desejamos estar?

Porque os sonhos são a vida, e a vida é feita de sonhos.

Uma peça, uma casa, um livro, uma relação, este texto e este mundo, tudo isto um dia saiu dos sonhos humanos e foi se materializando gradativamente, formando este imensa quebra-cabeça do qual somos minúsculos fragmentos. Somos atores de um grande sonho coletivo, uma mega peça de teatro, quer o percebamos ou não. Como estamos aproveitando o palco da existência e qual é a contribuição que estamos dando nesta rápida passagem diante das luzes da ribalta?

Este lugar, este tempo, aqui e agora, este é o momento de viver. Não existe nada além disso. O próximo momento é um enigma, um salto no escuro, uma probabilidade que pode vir a acontecer ou não, é o repentino silêncio de todos aqueles que estão desaparecendo neste preciso minuto. Se por acaso ou por descaso desperdiçamos as oportunidades que tivemos até agora, abracemos este exato instante. Ele é sagrado, inviolável, puríssimo. E assim é a força que nos move, a terra que nos acolhe sob os nossos pés, o vento, o sol e a chuva, a dor e a alegria, os seres únicos e especiais que eventualmente estão ao nosso lado, as horas e suas mensagens mudas, os sinais escritos para a alma, os nossos sentidos e este personagem que estamos escolhendo ser.

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