Vamos começar a reservar alguns momentos por dia para o amor. Algumas pessoas argumentariam que isto é uma perda de tempo, que existem compromissos e preocupações muito mais importantes do que essas asneiras esotéricas. Diriam que o amor não põe a comida na mesa, não paga as nossas contas, não coloca gasolina no tanque do carro nem se transforma em passagem de ônibus.
Eu concordo com essas pessoas. Quem cuida de todas essas coisas somos nós. Mas quem somos nós? De onde viemos, para onde vamos, o que nos move profundamente? Novamente posso escutar aquelas mesmas pessoas reclamando que essas questões só existem para aqueles que não têm nada para fazer, marginais, revolucionários, ou gente inútil, como escritores, artistas, pensadores, religiosos e esquisitos em geral.
Mas se não pararmos para pensar pelo menos um pouquinho agora, quando pararemos? Há alguns anos perdi alguém que eu amava muito, um ponto fundamental de referência em minha vida, minha avó materna. De repente ela foi hospitalizada, um câncer em estágio avançado foi diagnosticado, e eu apenas tive tempo de pegar o avião e falar com ela uma última vez antes que ela partisse naquela viagem sem volta para a qual todos, mais cedo ou mais tarde, de uma ou de outra forma, estaremos partindo. Diante desta única certeza inexorável da vida, será que não vale à pena parar um pouco para refletir antes que seja tarde demais?
Se nos dermos um tempo diário para a reflexão é bem possível que, um belo dia, acabemos esbarrando com a realidade do amor. Inicialmente ficaremos surpresos, nos perguntaremos como não o havíamos percebido antes. É que o amor é muito sutil e silencioso, ele nos atravessa, invisível e sorrateiro como o ar, ele é onipresente, como o tempo e o espaço, na verdade ele os contém e vai muito além deles e é o único elemento imutável nas mudanças. Ele se manifesta em nós em forma de tudo aquilo que nos dá vida e nos faz crescer, em todas as nossas emoções e paixões. E elas são infinitas, sublimes, melancólicas, ardentes e tempestuosas.
Pode ser que o amor não coloque a comida em nossa mesa, mas ele nos dá sentido, alimenta a alma a ponto de nos dar a força de criar os meios para ter acesso a esta comida, e também para suportar os dias nos quais ela eventualmente faltar. Ele nos traz a fé que nos faz querer continuar a viver embora saibamos que estamos destinados à morte e conviver com a tristeza de existirem pessoas que têm demais e outras que não têm nada. Ele nos faz compreender que ao invés de reclamar é muito mais saudável fazer a nossa parte e compartilhar, procurar contribuir com alguma coisa, qualquer que seja ela, para que um dia ali na esquina não exista mais ninguém morrendo de fome. Pode ser que até hoje o amor não tenha alimentado alguns de vocês - o que eu duvido - mas ele tem a capacidade de alimentar muito mais gente, se começarmos a agir por amor, ou seja, a pensar em termos de "nós" e "nosso mundo" e não apenas de "eu" e "meu mundo".
O olhar do amor torna, por exemplo, a morte de minha avó um acontecimento mágico. Mesmo tendo deixado saudades e uma ausência que nunca mais será preenchida, este apenas foi o misterioso ponto final e a derradeira aventura de uma existência que marcou muita gente justamente através de seus inúmeros atos de amor. A morte fez com que ela parasse de existir fisicamente em tempo e espaço limitados, encontros e contatos ocasionais, e passasse a existir espiritual e constantemente dentro de todos nós, amigos e amigas, filhos e filhas, netos e netas, bisneto e bisneta. É preciso amor para perceber isto.
O amor é doce, generoso, criativo, ele gosta de receber e adora dar. Ele é delicado como uma brisa em um dia de verão, um aperto no coração nos prevenindo de um perigo, uma lágrima furtiva durante o abraço sincero de um amigo. É preciso reservar um pouco de tempo para ele a cada dia e ficar em silêncio reverencioso para que ele possa se manifestar cada vez mais, iluminar nossas horas sombrias, dar asas às nossas rotinas e criar, pouco a pouco, um mundo melhor.
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