Em nossas pesquisas sobre âncoras de carreira realizadas com alunos de cursos de graduação e pós-graduação, a maioria tem apontado como âncora principal, aquela denominada por Edgar Shein (1993) como Estilo de Vida, que diz respeito ao equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional. Este resultado não deixa de ser surpreendente, considerando que a perspectiva é de se ter de trabalhar bastante, no atual contexto empresarial, caracterizado por reestruturações que, via de regra, resultam em redução de empregos e em consequente sobrecarga de trabalho.
Uma possível explicação para esse paradoxo é que a âncora estilo de vida revela um desejo, não necessariamente uma ação concreta no dia a dia, ou uma meta já cumprida, já que o tão desejado equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho não é algo muito fácil de alcançar e, neste caso, o ditado “querer não é poder” aplica-se muito bem.
Fala-se muito, hoje em dia, acerca da competência no trabalho e este conceito está muito relacionado com o exercício efetivo da capacidade; com colocar a nossa capacidade em ação e obter resultados (ANABUCK, 2002, citado por RUAS, 2003). Significa, também, a disposição de integrar múltiplos saberes e múltiplas habilidades (Le BOTERF, 1995). Podemos deduzir, então, que para alcançarmos o equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho, temos de ser, antes de tudo, muito competentes em termos de comportamentos e ações determinadas e concretas voltadas para transformar essa meta em realidade.
E principalmente no que se refere ao uso do tempo, à definição de prioridades e à fixação de limites em termos profissionais e pessoais. É bom salientar ainda que tal equilíbrio necessita ser dinâmico, o que significa que em alguns momentos se dedicará mais tempo ao trabalho e outros mais tempo à vida pessoal (família, saúde, amigos, lazer etc). A dificuldade de se atingir esse nível de competência, o do equilíbrio dinâmico entre a vida pessoal e o trabalho/carreira, é algo que também deveria ser de interesse das empresas, pois a médio e longo prazo, os ganhos que se obtém, quando as pessoas o alcançam, ou se dele se aproximam, muito provavelmente, serão superiores ao de quando elas se sacrificam e se desgastam continuamente em prol do trabalho, embora possam até apresentar melhores resultados no curto prazo.
É certo que nem todas as empresas priorizam este aspecto, pois algumas trabalham com elevada rotatividade de pessoal, mas existem outras que não se permitem atuar dessa forma, necessitando que seus funcionários estejam bem, física e psicologicamente. São empresas pautadas por valores éticos e humanistas e/ou cujos clientes estão dispostos a pagar um pouco mais por produtos ou serviços de melhor qualidade.
As empresas deveriam começar por dar mais atenção à questão das férias, por exemplo, que representam um dos principais mecanismos criados para se tentar equilibrar as demandas da vida pessoal e as do trabalho. Ou seja, quando um trabalhador consegue tirar férias de no mínimo 15 dias, duas vezes por ano, e fica realmente sem trabalhar, ele adquire condições de se refazer do estresse e obrigações do dia a dia, tendo condições de equilibrar um pouco sua vida. Sendo assim, a pessoa “respira” um pouco, cuida um pouco mais de si e de sua família, retoma amizades e se prepara para voltar com mais energia para o trabalho. É bem verdade que a nossa sociedade está se tornando altamente complexa. O celular e o computador insistem em nos perseguir fora do local e períodos de trabalho (o que inclui as férias). Portanto, outro aspecto importante da competência “equilíbrio dinâmico entre a vida pessoal e o trabalho” é não nos deixarmos levar por essas imposições tecnológicas, por esses automatismos, como o de verificar emails a cada momento.
O conceito de competência, de acordo com Le Boterf (1995) e Zarifian (2001), está relacionado à reflexibilidade e à capacidade de lidar com a complexidade e situações como as que nos defrontamos em períodos que deveriam ser de relaxamento e descanso representam, ao contrário do que se poderia imaginar pelo senso comum, um grande desafio neste sentido. A capacidade de lidar com o tempo nesses períodos de não-trabalho, por exemplo, torna-se uma arte, já que é bastante comum a sensação de que o tempo está voando. Sendo assim, saber planejar torna-se essencial, o que inclui identificar as nossas prioridades e diferenciar o que é urgente do o que é menos urgente, assim como o que é mais importante do que é menos importante. Lembrando que muitas vezes o que nos parece urgente, não necessariamente é o mais importante.
Finalmente, é importante ressaltar que o próprio conceito de sucesso na carreira atualmente está cada vez mais relacionado ao equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, como muito bem expressa a seguinte reflexão, atribuída a Einstein: “É um mito acreditar que o sucesso apenas profissional é medida de valor, que sem ele não há felicidade e, principalmente, que ele traz felicidade, já que: 1) muitas pessoas de sucesso não têm valor e muitas pessoas de valor não têm sucesso; 2) a felicidade está dentro da mente, não fora e ela é estado de bem-estar, um estado de autoaceitação, uma disposição a gostar das coisas, a capacidade de ligar-se à vida, fruir o que ela traz; as coisas melhores da vida estão ao alcance de quase todos; 3) Quem não tem sucesso, não precisa ficar esperando por ele para ser feliz. Quem tem sucesso e sabedoria saberá apreciá-las também (porque não?) e aí verá que o resto não é tão relevante assim”.
Perfil do autor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário